sábado, 21 de janeiro de 2017

Coisa 'qui pra modi vê o cristão tem qui andá a pé'


Por Marcelo Damasceno 
     repórter sertanejo.



  Andei em 1998 carregado de nuvens e muita sorte pelo planeta que me compôs os sonhos e infância mais sertaneja e caatingueira da vida.
Homem feito ou "malamanhado" eu era servidor da previdência social a prosseguir benefícios rurais em sertões da nossa cristandade e ignorância. Da espiritualidade e força para sobreviver às mais surpreendentes humilhações da bolsa-família ao bolso da espertissima SUDENE. Ver a pobreza com panela tostada de sol e carvão e os rebocos sucumbindo à seca irmã. Ciclo muito familiar a decepar direitos e devastar bichos.

  Não obstante ser tanto desconforto falar de desamparo e político escroto a prometer vida melhor, essa gente encontra lugar para rir banguela. E as feiras de tudo no mundo, os amuletos da boa sorte, as carnes e tanta fruta quanto "armoçu" pronto com a frequência certa de cachaceiros e violeiros repentistas subjugados em paletós puidos. A feira é pra andar a pé. Não faltam a rezadeira benzendo menino de mal "oiado". As oportunidades expostas pelo cabra mais afortunado que vai escolhendo a farinha grossa, o arroz da terra, o toucinho de poico, As tripas e todas as vísceras pro sarapatel. Enquanto a tarde toda vai ajustando as rezas que são a graça em derredor da praça de uma única igreja a remoer a fé.



 Um trio de cantiga nordestina junta nosso rosário de poesias e sofrimento às paixões de homem e mulher com sanfona e xote, baião e zabumba, "triango" e xaxado. Dessa indumentária colorida num cáqui vistoso em brim. E um curtume bem feito com estrelas nas cabeças imodestas e valentes de Luiz Gonzaga e Virgílio Lampião Ferreira. Dois pernambucanos sem perturbação senão protestar a pobreza e desigualdade ante a concentração de riqueza. E nem tamanha injustiça social. Gonzaga cantava. Lampião matava. E desse bornal de singeleza franciscana, quiseram os benditos marcar esperança com fé em um padre cearense e compassivo, O padim Ciço. 

 Com todas as letras de Cicero Romão Batista. Um culto a Jesus Cristo e toda odisséia de cangaceiros em desalinho com a caatinga mais romântica à bala. O firme fundamento de ser justo e mais forte que qualquer outro povo. E padim CIÇO esboçou essa fortaleza desde sua Juazeiro do Norte até Canindé. De sol a seca. Entre a asa branca e o assum preto a voracidade da fome recolhendo cadáveres ao gosto de urubus tão úteis ao habitat sem chuva e sem direito a nada.

  Da minha incursão em meu solo mais sertanejo fui ver de perto o endereço de nascimento e curta habitação dessa tríade. PADIM CIÇO, LAMPIÃO e LUIZ LUA GONZAGA. Fui e alimentado por minha curiosidade, pisei nestes lugares a grané. Aos maltratados sertanejos dessa república estrangeira e alheia à realidade das braunas.
Cada conterrâneo a seu tempo, soube carregar nossos oios de lágrimas e necessidade de afeto. Nossa alegria extraída da miséria e exclusão de garantias constitucionais. Realidade que nos deu beatos em motins de Deus. Desde Canudos com seu horizonte escrito por António Conselheiro e virando best-seller pelo inabalável jornalista Euclides da Cunha. O semiárido a rugir suas crendices e espalhar também a generosidade compartilhada com fome e frutos. A novena a acolher tantas casas de esperança e reféns do infortúnio político que lhes tratam como moeda de troca. Do baião sertanejo da Karolina com Ka,  "Um pa eu,  um pa tu, um pa eu", asseverou Gonzaga na referência mais irônica e crítica ao feudo rico amparado por órgãos de desenvolvimento de quem já é afortunado. É assim meu sertão de necessidade e seus heróis desde Serra Talhada até Exu em ressonância aos cânticos de Juazeiro do Norte. Passei por essa nossa gente que não nega prato de comida  divide a roupa o couro. A prosa enriquecida de uma carne de bode coado ao café na brasa. Essa hospitalidade recomendada dos evangelhos bíblicos. Coisa que "pá modi vê, o cristão tem qui andá a pé".



Fotos.
Caatinga net
PADRE CÍCERO
LUIZ GONZAGA
VIRGULINO LAMPIÃO
#marcelodamascenoemdia

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